A Síndrome da Receita de Bolo

Por Luis Musso Gualandi





Estudamos em uma escola reconhecida pelo histórico de contribuições à engenharia nacional. Uma escola tradicional que oferece aos seus estudantes um enorme leque de atividades, de remo a robótica, que forma engenheiros tratados de maneira excepcional no mercado. Não à toa, a Escola Politécnica é um dos cursos de engenharia mais concorridos do país.

Esta posição de destaque, entretanto, pode estar ameaçada. Por trás de uma aparente imagem de vanguarda encontra-se um rígido sistema de ensino que, à luz das oportunidades e desafios da nova sociedade da informação, começa a exibir os sinais do tempo.

É inegável que nossa estrutura curricular necessita de alguns ajustes, mas meu foco aqui será em outra questão que considero muito mais preocupante: nosso sistema de aulas e avaliações. Para uma geração que já nasceu conectada é intrigante um sistema em que o professor limita-se a copiar na lousa o que está no livro, enquanto os alunos nada fazem. As aulas são todas iguais e perguntas raramente são feitas. Será que é essa a melhor maneira? Seria mais fácil se simplesmente juntássemos todos os alunos no auditório e mostrássemos um vídeo. Observa-se, devido a isso, uma evasão de parte dos estudantes das salas, que fogem do tédio e desenvolvem métodos de estudo individuais. Além disto, num curso como o de engenharia em que o aspecto prático é essencial, pela forma como as aulas são dadas, muitas vezes o aluno tem dificuldade de entender para que serve o assunto que está estudando.

E as provas? Provavelmente são elas que mais irritam o politécnico. As provas reinam em nossa escola, parece que é consenso entre os professores que são o único método de avaliação. Alguns alunos chegam a fazer mais de uma dezena em uma semana! A pressão por notas é tão grande que possibilitou o surgimento da chamada “Síndrome-da-Receita-de-Bolo”. A SRB nada mais é do que a compulsão que os estudantes têm por decorar o passo a passo da resolução de exercícios ao invés de entender o conteúdo das disciplinas. Trata-se, certamente, de um método maligno, pois é eficiente apenas no curto prazo, garantindo boas notas. No longo prazo, entretanto, à medida que a matéria acumula, a SRB é cruel. Para entender Cálculo IV é preciso saber o I, II e III, por exemplo. Justamente por este motivo muitos alunos, ao perceberem que nada aprenderam, se descobrem num beco sem saída e abandonam seus cursos.

Altas taxas de abandono não são as únicas consequências das aulas burocráticas e da maratona de provas no estilo SRB. Elas desmotivam os que ficam, os que persistem, afetam o interesse pelo aprendizado genuíno e frequentemente arruínam o interesse do estudante pela ciência, pela engenharia. A conclusão do curso, neste caso, torna-se mera obrigação, desafio enfrentado às vezes com o único objetivo de obter um “passaporte” para o mercado de trabalho, às vezes em áreas tão diversas como o mercado financeiro.É uma verdadeira inversão de valores. Jovens formando-se com conhecimento superficial, priorizando o diploma ao real ganho de conhecimento ou crescimento intelectual.

Diante desta situação, o que fazer? É evidente que temos de aprofundar a discussão em torno da modernização do ensino. Novos processos educacionais estão sendo experimentados mundo afora. Se nada fizermos, corremos o risco de ficar para trás. Onde estão as ideias criativas? É preciso buscar um meio de inspirar os alunos a desenvolver as habilidades e conhecimentos mais importantes para a engenharia. Nós temos de discutir métodos mais dinâmicos de ministrar as disciplinas, que motivem mais os alunos. Temos também que pensar em novos métodos de avaliação. Afinal, o objetivo é formar engenheiros inovadores e não meros fazedores de provas.

Infelizmente, observamos na área da educação (não somente na Poli, vale ressaltar) uma enorme resistência à mudança, inclusive por parte dos alunos, que aderem passivamente ao sistema e raramente se manifestam. Penso que a única forma de reverter isso é promover a troca de ideias, a criação de mecanismos mais eficazes de comunicação diretoria/aluno. Precisamos pesquisar, olhar os bons exemplos de fora, ousar e discutir planos de mudança. Precisamos romper barreiras e quebrar paradigmas do passado, para assim repensar o modo como ensinamos engenharia.