A Clássica Pergunta

Por Felipe Gomes de Melo





O ano era 2015, eu era apenas um aluno do Etapa Ana Rosa, em São Paulo, com o sonho distante de fazer engenharia e entrar na Poli, com mais dúvidas do que respostas na cabeça. Como todo cursinho, o Etapa fazia várias palestras ao longo do ano pra divulgar os diferentes cursos e faculdades. Naquele ano, quem foi apresentar a Poli foi o Prof Marcos Barreto, do departamento de engenharia mecatrônica. Na época, eu tinha uma vaga ideia do que é mecatrônica, curso que eu acabei escolhendo, e tinha uma dúvida que até hoje se encontra meio sem resposta na minha cabeça.

“Qual engenharia eu devo fazer?”

Nesses anos de Poli, já ouvi a experiência de várias pessoas. Gente insatisfeita com o curso e indo pra mecatrônica, outras tantas fazendo o caminho inverso e buscando em outro curso o que não encontrou aqui. Gente da mecânica indo pra minas, de materiais pra química, as possibilidades dentro da engenharia são quase infinitas, como decidir em qual engenharia ficar? Acontece que as palavras do prof Barreto naquela palestra são pra mim, até hoje, o conselho mais sábio a esse respeito que eu recebi.

Na apresentação, foram 3 representantes da Poli. O prof Barreto e dois alunos que não recordo o nome, um da engenharia de materiais e outro da engenharia elétrica. Durante uma hora e meia, foi dada uma pincelada no universo que é a Poli, os vários cursos, atividades de extensão, pesquisa, centros acadêmicos, atlética e etc. No final da apresentação, abre-se pra perguntas e vem a fatídica: “Como escolher a engenharia pra mim?”

Um dos alunos que acompanhava o professor se prontificou a responder

“Ah, você faz isso por afinidade. Existe um site, chamado JupiterWeb, em que você consegue ver o que cada curso estuda e dessa forma você pode achar o curso que combina mais com os seus interesses e com o que você gosta”

Cá entre nós, é a resposta padrão de um aluno padrão da Poli. Se você conversou com algum politécnico e fez essa mesma pergunta, 62.3% de chance de receber essa mesma resposta.

O professor, então, interveio:

“Ó, com todo o respeito, eu discordo completamente do que meu aluno disse. Bem, eu tenho alguma experiência e vocês aqui tem idade para serem meus filhos. Não é nem gravidez na adolescência, meus filhos com a minha mulher [risos]. Vou falar para vocês o que eu diria para meus filhos se eles me fizessem essa pergunta.

Em primeiro lugar, não precisa se preocupar muito com isso, por que no fundo todas as engenharias são iguais. Uma vez que você define qual grande área da engenharia você quer, Elétrica, Mecânica, Química ou Civil, o passo seguinte é nota de rodapé.

Agora, vocês não devem tomar essa decisão pensando somente nas matérias da Poli. A faculdade acaba em 5 anos [risos] e a vida de vocês continua depois disso. Vocês devem se questionar “o que eu quero estar fazendo daqui 50 anos?”. Pensem na vida de vocês em 50 anos, porque 5 anos passam rápido.

Todas as engenharias tem coisas boas e ruins, qualquer trabalho que você faça terá dias bons e dias ruins. O que vai fazer os dias ruins valerem a pena é você se emocionar com o resultado do seu trabalho, é você ver valor naquilo que você faz. Se ver uma ponte bonita te emociona, como a Ponte Estaiada, vá fazer engenharia civil; se ver uma usina hidrelétrica te emociona, ver Itaipu funcionando, vá fazer engenharia elétrica, ou então ver dispositivos eletrônicos nanométricos, vá pra engenharia elétrica também; se você é uma pessoa que curte carros, fórmula 1 te fascina, vá para engenharia mecânica; agora, se você curte robôs, seu lugar é na engenharia mecatrônica.

Vocês tem que se perguntar, dentro da engenharia o que me motiva a continuar trabalhando. Ninguém faz o que gosta todos os dias, o importante é no final do dia você se sentir emocionado pelo resultado do seu trabalho”


Na época do vestibular, eu estava em dúvida entre engenharia eletrônica e engenharia mecatrônica. Acho que foi depois dessa palestra que eu decidi de fato prestar engenharia mecatrônica. Sempre fui apaixonado por robôs, escolhi mecatrônica e entrei na Equipe ThundeRatz de Robótica da Poli por causa disso.

Apesar disso, tive minhas dúvidas ao longo da graduação se deveria transferir de curso para a engenharia elétrica. Cá entre nós, eu acho engenharia mecânica algo bem interessante, admiro quem gosta de verdade, mas pra mim, Resistência dos Materiais I já era o suficiente, não precisava de duas. Uma disciplina sobre métodos de fabricação é mais do que suficiente pra mim, não precisava de quatro.

E, no fundo, tem uma pergunta que também não tem uma resposta clara dentro de mim. “O que eu quero ser quando crescer?”

Essa pergunta é especialmente engraçada porque eu tenho 1.95m de altura risos. Mas o questionamento é real. Eu tenho certo na minha cabeça que engenharia é a carreira pra mim. Construir coisas e resolver problemas, são minhas paixões na engenharia. Mas esse é um campo muito amplo. Um engenheiro pode fazer muita coisa sendo engenheiro.

Essa dúvida existencial foi o que me motivou a continuar na mecatrônica e não transferir para a elétrica. A essência da mecatrônica é misturar diferentes áreas da engenharia em um curso só, como uma engenharia de engenharias (o título de engenharia universal já pertence a engenharia química). A melhor analogia que eu já escutei é a história do pato.

História do pato? Como assim?

O pato é uma ave aquática que anda na terra. Ele sabe nadar, sabe voar e sabe correr. Não faz nenhuma dessas três coisas direito, mas sabe fazer as três. Da mesma forma funciona a mecatrônica. Aprende engenharia mecânica, eletrônica e computação. Não sabe nada com profundidade, mas tem uma base pra entender as três. E, com sorte, aprende a misturar as 3 em sistemas incríveis chamados robôs.

De certa forma, permanecer na mecatrônica é um meio de manter portas abertas no futuro. Vou deixar pra tomar essa decisão quando souber o que estou fazendo e souber o que eu quero. No final das contas, são os questionamentos da vida adulta que batem na porta. Eu fecho esse texto com uma citação da série do Flash super-heróis me ensinaram a ser adulto.

“Não existem escolhas certas e erradas, existem escolhas e existem consequências. A melhor escolha é aquela que você consegue lidar com as consequências”